terça-feira, 26 de junho de 2012

Da Fonte da Pipa à Arialva, passando pelo Olho de Boi (3/3)

Continuação de:

Quinta do Olho de Boi


A Quinta do Olho de Boi ou do Palliart foi edificada por Luís Francisco Palliart em terrenos junto à Fonte da Pipa que lhe foram aforados pelo Convento de S. Paulo em 1730 (ADS-CNA, Cx. 4415, L.213, fól. 23f), aforamento renovado em 1838 pela Fazenda Nacional a António Palliart, quando esta propriedade se compunha de «quinta, casas, e armazéns, e baldio à borda da praia entre a Fonte da Pipa e Arealva» (ADS-CNA, Cx. 4415, L.213, fól. 23f).
Já em 1630 fora aforada pela CMA a Hierónimo Dosem, morador na cidade de Lisboa, uma propriedade à Fonte da Pipa onde estava «hu pedaço de chão junto à rocha que vai para o Olho de Boi o qual não era de nenhua utilidade ao concelho» para nele fazer «benfeitorias no prazo e hu ano», não sabemos contudo se esta escritura teve consequência.
Esta propriedade já existia como fazenda em 1738 pois nesse ano Arcibal Arthur (morador em Cacilhas, e homem de negócios inglês) contrata com JOÃO BAPTISTA, mestre pedreiro (o mesmo da Ermida de S. Sebastião), para este lhe fazer um armazém no sítio da Fonte da Pipa, junto à fazenda de Francisco Luís Paliart (idem, idem, L. 86-I, f. 101).


Quinta da Arialva


A Quinta da Arialva terá sido edificada nos terrenos onde esteve um Forno de cozer telha e tijolo dito «Forno da Arealva» que em 1709 foi aforado pela CMA a António Dias Pinheiro (vd. AHMA-CMA-SA-NP, L. 03 (N.1800), fól. 20v).


Foi nesta propriedade que, em 1757 (*), João O’Neill, nobre irlandês católico e exilado, se estabeleceu com um negócio de produção e armazenamento de vinhos como mais tarde regista José Baretti na sua visita a Almada em 1760:
«(…) do hospital inglez, donde voltei, rio acima, para casa de um irlandez que negoceia em vinhos por grosso, esperando induzil-o, com dinheiro ou com boas palavras, a dar-me algum por miúdo, tendo com effeito tanta necessidade d'elle como os meus catraeiros. E foi uma felicidade que aquelle senhor negociante de vinhos, que se chama ONeal usasse para commigo de tanta cortezia (…) o qual apenas quiz consentir que eu depenicasse um cacho das suas vinhas, que todavia estavam carregadissimas d'elles. Deu-me com liberalidade o sr. O'Neal a beber quanto eu quiz, e fez-me provar mais qualidades de vinhos muito estimados, e aos meus suados barqueiros deu também um garrafão, pondo ainda difficuldade em deixar metter algum dinheiro no bolso de um seu pequeno. Aquelle cavalheiro tem a sua casa protegida do rio por uma espécie de molhe construido de grossos penedos».
(Vd. José Baretti et Alberto Telles (trad. ital.), Portugal em 1760. Cartas Familiares (XV a XXXVIII) de José Baretti, Lisboa : Typ. Barata & Sanches, 1896, pp. 35-40 – Cit. Abrantes Raposo et Victor Aparício, Os Palmeiros e os Gafos de Cacilhas, Cailhas : J.F., pág. 57).


     (Quinta da Arialva)

O negócio dos vinhos trouxe alguma prosperidade a O’Neill que em 1766 diz numa petição ao Patriarca de Lisboa que «em muitas oucaziões sendo isso cauza os maus caminhos, e refluxos do mar, se lhe dificulta o poder hir às igrejas da ditta villa (de Almada) satisfazer o preceyto da Missa, tendo hua grande família de mulheres, e crianças menores, motivo este por que nas cazas nobres, que proximamente fez para sua habitação (na fazenda da Arialva) mandou fabricar hua Irmida com porta para o largo da mesma fazenda com comodidade sufficiente para que não só a sua família, mas também os estranhos possão nella ouvir missa» (TT-CEL, Mç. 1809, n.º 172). Esta ermida era a Capela dedicada a S. João Baptista de que ainda restam vestígios.
 (Portal da Capela de S. João da Arialva)

A quinta foi comprada já no séc. XIX por João Luís Lourenço passando depois aos seus herdeiros, Domingos Afonso e mulher.

RUI M. MENDES
Caparica, 25 de Junho de 2012

Revisão em 12 de Fevereiro de 2013
(*) Algumas fontes indicavam que João O'Neill se havia estabelecido na Arialva em 1740, contudo elementos compilados por Pedro O'Neill Teixeira permitem registar 1757 como o ano em que aquele adquiriu esta propriedade, tendo aqui falecido a sua sogra no fim desse ano (vd. Teixeira, Pedro O'Neill. Amigos da Dinamarca, p. 402).

Da Fonte da Pipa à Arialva, passando pelo Olho de Boi (2/3)

Continuação de:
Da Fonte da Pipa à Arialva, passando pelo Olho de Boi (1/3)
(*) revisto em 2-7-2012
(**) revisto em 20-9-2012
(***) revisto em 14-2-2013
(****) revisto em 25-4-2013

Fortes da Fonte da Pipa e da Arialva
(Antigo Forte da Fonte da Pipa / Hospital dos Marinheiros Ingleses)

Tem-se colocado sempre algumas dúvidas sobre a localização exata de alguns dos fortes que no reinado de D. Pedro II se edificaram na margem sul do Tejo, nomeadamente sobre se os Fortes da Fonte da Pipa e da Arealva seriam um único que teve designações diferentes em épocas diferentes, como parece afirmar Pereira de Sousa no seu Fortalezas de Almada, ou se pelo contrário seriam efetivamente edifícios diferentes.

João Baptista de Castro, cuja família era originária de Almada, descreveu em 1763, no seu Mappa de Portugal Antigo e Moderno, Tomo II, p. 376, as «Praças e Fortes marítimos que estão fundados no rio Tejo para a banda do Sul»:
Forte de Cacilhas
Forte de Arialva
Forte da Fonte da pipa
Fortaleza de S Sebastião de Caparica ou Torre velha que cruza com a de Belém. Está assentada na escarpa de hum monte com varias baterias.
Forte da Trafaria
Fortaleza de S Lourenço da Cabeça seca ou Torre do Bogio de figura circular Está no meyo da barra de Lisboa.

Esta descrição parece confirmar a tese dos dois fortes, embora a ordem da descrição possa induzir a alguns erros, e de facto encontrámos recentemente dois assentos de óbito da Paróquia do Castelo de 1710 e 1711 que reforçam esta tese:
(1710) «Em sete de Novembro de mil e setecentos e dez faleceo António solteiro, morador no Forte da Fonte da Pipa …»
(1711) «Em os vinte e sete de Abril de setecentos e onze faleceo hu prezo dos que vierão do Limoeiro de Lx.ª em o Forte da Arialva, chamado Domingos Affonço (sic) homem solteiro natural de Monte Argil, termo da Comarca de Santarém (…)»
(ADS-PRQ, Almada, Castelo, Óbitos, Lv. 3)

Recordo que Pereira de Sousa diz na sua obra que «No reinado de D. Pedro II procedeu-se à construção do Forte da Foz (Vigia), Forte da Trafaria, Forte da Fonte da Pipa (Arealva) e reedificação do Forte de Santa Luzia (Cacilhas). Do Forte da Fonte da Pipa restam ainda panos de muralha e uma porta de mar. O Forte foi abandonado no último quartel do Século XVIII (?), época em que se construíram ao longo da praia vários edifícios, alguns de boa traça pombalina, servindo talvez da residência aos proprietários dos armazéns de vinhos aí estabelecidos. Na porta de mar encontramos ainda um nicho de S. João Baptista» (vd. R.H. Pereira de Sousa, Fortalezas de Almada e seu Termo, Almada: Arquivo Histórico, 1981, pp. 56, 77).
E mais diz na descrição do «FORTE DA FONTE DA PIPA: De acordo com a argumentação que adiante se exporá, o forte designado em documentos oficiais por «Forte da Fonte da Pipa» é aquele localizado no lugar actualmente denominado Arealva.
A ausência de qualquer prova documental quanto à existência simultânea de dois fortes próximos entre si - Arealva e Fonte da Pipa - levou-nos a suspeitar que existiria apenas um forte. Nas pesquisas efectuadas julgamos ter confirmado as nossas suspeitas, a partir dos seguintes factos: Castelo Branco cita como artilhado em 1711 o forte da Fonte da Pipa, nenhum dos outros citados se confunde com qualquer fortaleza eventualmente próxima. Ora, o forte a que chamamos da Arealva é obra anterior àquele ano a avaliar pela construção, pelo que teríamos de admitir que estava desartilhado, o que é pouco crível, pois o forte não teria sequer um século e era pois na sua época uma construção actualizada.
O forte designado oficialmente por forte da Fonte da Pipa, foi objecto de obras de reparação no ano de 1771 que importaram em 154.320 réis como se lê em documento subscrito pelo sargento mor Pedro Gualter da Fonseca; a quantia é muito elevada para reparação de um pequeno fortim como tem sido definido o presumível forte da Fonte da Pipa, mas aceitável para o forte situado na Arealva».
(Id., ib., pp. 78-81).

Sabemos que as fortalezas da ribeira de Lisboa desta banda do Tejo foram edificadas no reinado de D. Pedro II, provavelmente a partir de 1689, pois em 27 de Março desse ano D. Pedro II concede uma mercê para fossem feitas obras na Fonte da Pipa à custa das obras reais (Chancelaria de D. Pedro II, cit. Luís de Barros, in Cronologia), tendo a partir de 1701 a assistência do ENGENHEIRO MANUEL DA MAYA «tomando as alturas e examinando os materiaes e fazer os riscos das plantas das ditas obras com muito acerto e ajudando em todas ellas ao Lente das fortificações, FRANCISCO PIMENTEL [(1652-1706), filho de Luís Serrão Pimente]» cfr Carta régia de 1758 (vd. Cristóvão Ayres, Manuel da Maya e os engenheiros militares portugueses (1910) in: http://purl.pt/848/3/ - cit.

Hospital dos Marinheiros Ingleses na Margem Sul

Um Decreto de D. Pedro II, datado de 22 de Maio de 1705, determina que «os soldados e marinheiros inglezes das armadas d'esta nação que vêem a este porto e forem doentes, se curem nas casas do forte, que se edificaram no sitio da Fonte da Pipa, que fica da banda d'além do Tejo, para lhes servirem de hospital» (vd. AHML, Liv.º X de reg.º de cons. e dec. do sr. rei D. Pedro II. fs. 78, in Eduardo Freire de Oliveira, Elementos para a história do Município de Lisboa, T. 10, p. 276 – cit. Alexandre M. Flores, Chafarizes de Almada, nota n.º 30).
Este Hospital de Marinheiros Ingleses estabelecido no Forte da Fonte da Pipa desde 1705 é referido em outros documentos com ainda existente nesta margem em 1711 e 1713, como regressado a Lisboa em 1734 e de novo estabelecido na margem do sul em 1745.
(Vd. A.H. de Norris – The British Hospital in Lisbon, Lisbon The British Historical Society of Portugal, 1973; et Com. E. Gomes – «Vigia da História», Revista da Armada, (Publicação Oficial da Marinha) no seu nº 459 Ano XLI de Janeiro 2012)

Na realidade, em 1735 já vivia no Forte da Fonte da Pipa, com a sua mulher, um Manuel Antunes Simões, tanoeiro, que nesse ano toma de aforamento, por 800 réís anuais, à Câmara Municipal de Almada, um «chão baldio no dito sítio (da Fonte da Pipa) que corre do Tanque em que bebem as bestas até defronte da porta principal do dito Forte» (AHMA – Escrituras da CMA, Livro n.º 1801, f. 7), os quais ainda aqui residiam em 1752, pois nesse ano tomaram 400$000 réis de empréstimo aos Frades de São Paulo de Almada «para a fábrica e aumento das suas fazendas» (ADS, Cartórios Notariais de Almada, Liv. 102, f. 124v). Parece assim claro que o Hospital Inglês novamente estabelecido em 1745 na margem sul, não seria no Forte da Fonte da Pipa. (****)

Em 1745 regista-se no Rol de Confessados da Caparica alguns moradores da freguesia residentes num Hospital da Marinha Inglesa próximo da Banática e de facto aparece nos Livros de Óbitos da Caparica (Liv.º 9, fóls. 112v-113) um assento de 8 de Dezembro de 1745 que regista o falecimento de André Angêlo, veneziano, «no Porto da Banática e casas do Capitão António Dias Pinheiro que de presente se acha o Hospital dos Ingleses». (**)

(ADS-PRQ, Almada, Caparica, Óbitos, Lv. 9, fóls. 112v-113)

Estas casas correspondiam às da quinta do Porto da Banática, a qual fazia parte do Casal da Banática, um dos casais da Capela de Maria Pires Roubã, de que era administrador no século XVIII Monsenhor João Guedes Pereira, e tinham sido aforadas a António Dias Pinheiro em 13 de Setembro de 1704, e arrematadas em 1748 por Francisco Carneiro de Araújo e Melo (Vd. Carlos Gomes de Amorim Loureiro, Estaleiros Navais Portugueses. Subsídios para a história da construção naval de ferro e aço em Portugal, Vol. II: H. Parry & Son, Lisboa, 1965, pág. 44). Esta arrematação em 1748 pode indicar que entretanto o Hospital já fora transferido para outro local. (**)

De facto em 1758 encontramos um registo num dos livros de óbitos da Caparica com a notícia do falecimento de Francisco Rodrigues, morador nas Fontes Santas, no «Hospital da Nação Britânica cito no Porto da Arrábida, Freg.ª do Castello da Villa de Almada» e cujos últimos sacramentos aí lhe foram administrados pelo Pe. Nicolau Tolentino Seabra (que sabemos residia em 1762 no lugar do Pragal).

    (ADS-PRQ, Almada, Caparica, Óbitos, Lv. 10, fól. 132)

Uma descrição de José Baretti feita na sua visita a Almada em 1760 diz que o mesmo estava à beira rio para baixo de Almada para a banda do mar e quando visita a Arialva diz que voltou rio acima:
«desci a collina, voltei ao bote, e mandei aproar ao hospital dos inglezes, que fica do mesmo lado do rio, para baixo, para a banda do mar; mas não vi lá cousa nenhuma que parecesse extraordinária, excepto um medico já velho do hospital, um urso, que, tendo recebido aos setenta annos uma rapariga de dezoito, tornou-se, apesar de inglez, tão bestialmente ciumento, que se poz a olhar muito para mim de soslaio, quando viu que me dirigia para o jardim do hospital, porque sua mulher alli estava n'aquelle momento colhendo figos e uvas para o jantar (…) do hospital inglez, donde voltei, rio acima, para casa de um irlandez (Arialva) que negoceia em vinhos por grosso».
(Cf. José Baretti et Alberto Telles (trad. ital.), Portugal em 1760. Cartas Familiares (XV a XXXVIII) de José Baretti, Lisboa : Typ. Barata & Sanches, 1896, pp. 35-40 – Cit. Abrantes Raposo et Victor Aparício, Os Palmeiros e os Gafos de Cacilhas, Cacilhas : J.F., p. 57).

Esta descrição parece fazer coincidir este Hospital no Porto da Arrábida.

Em 1793, numa pintura de Noel com o título de «A view taken from Lisbon, the English Hospital and the convento of Almada», tudo parece indiciar que este Hospital estaria ou próximo do Convento de S. Paulo de Almada ou possivelmente em Cacilhas no local do Forte de Santa Luzia (mais tarde Guarda Fiscal). (*)

(Noel, «A view taken from Lisbon, the English Hospital and the convento of Almada», 1793)


De facto pelo menos já em 1776 se achava o Hospital dos Ingleses na Rua das Terras de Cacilhas, onde morava João O’Neill, de nação irlandesa, cfr regista o assento de óbito da sua mulher Cristina O’Neill datado de 29 de Fevereiro de 1776 . (***)

  (ADS-PRQ, Almada, S. Tiago, Óbitos, Livr.º de 1776, f. 193v)

A confirmação da localização em Cacilhas também vamos encontrá-la de novo num assento de óbito desta vez da freguesia de S. Tiago de Almada em 21 de Março de 1796 de Matheus Borch, solteiro de nação irlandesa, assistente no «Ospital de Cacilhas». (*)
 
(ADS-PRQ, Almada, S. Tiago, Óbitos, Lv. 6, fól. 43)

Em 1798 Heinrich Friedrick Link refere a existência, «logo abaixo de Almada, no sopé da colina, de um grande hospital inglês para a marinhagem, em especial a das frotas e que ficava junto a um armazém grande de vinhos». Um dos doentes que foi tratado naquele hospital foi o Almirante Francis Beaufort, o inventor da ainda em uso escala de ventos, que tendo sido ferido em 28 de outubro de 1800, aquando da captura do Navio Espanhol S. José, veio completar a cura em Almada onde, segundo refere, dava grandes passeios pelos arredores. Beaufort só veio a largar de Lisboa , findo o tratamento, em 18 de agosto de 1801. (Com. E. Gomes, id.).


(Almirante Francis Beaufort, 1774 + 1857, que passou pelo Hospital Inglês de Cacilhas entre 1800 e 1801)

Em 15 de janeiro de 1802 a Gazeta de Lisboa publicava o seguinte anúncio : «terça feira 19 do corrente mês, pelas 10 horas da manhã, na casa da praça do comércio se hão de vender em leilão vários restos de medicamentos, instrumentos de cirurgia, camas, lençóis, cobertores e outras pertenças do hospital da marinha britânica, sito no lugar de Cacilhas, aonde se poderão examinar os ditos artigos nos três dias antecedentes à venda».

Permanece pois algumas dúvidas quanto à sua localização exata, importa contudo referir que este Hospital de marinheiros ingleses era um hospital militar pois o hospital dos mercadores ingleses só veio ao ser edificado em Lisboa em 1793 pelo famoso comerciante inglês Gerard DeVisme.

Continua em:
Da Fonte da Pipa à Arialva, passando pelo Olho de Boi (3/3)


RUI M. MENDES
Caparica, 25 de Junho de 2012



Da Fonte da Pipa à Arialva, passando pelo Olho de Boi (1/3)


Alguns Apontamentos do séc. XVIII


Uma visita pela zona ribeirinha de Almada, da Fonte da Pipa à Arialva, passando pelo Olho de Boi, apesar da sua degradação, é sempre um interessante regresso ao passado de um espaço industrial dos séculos XIX e XX, o qual é por muitos almadenses perfeitamente desconhecido, e mais desconhecida é contudo a sua origem, desde as origens remotas da Fonte da Pipa, fonte já mencionada na Crónica de D. João I no famoso episódio da resistência almadense na crise de 1383-85, à exploração do Forno do Tijolo na Arealva, referida em documentos do século XVI.
Este artigo, dividido em 3 partes, dedica contudo especial atenção ao século XVIII, período que parece ter sido decisivo no desenvolvimento desta zona do concelho, pois é neste período que se edifica a fonte monumental, os fortes depois reconvertidos em quintas e armazéns para comércio de vinho, e as casas nobres de Olho de Boi e Arialva.
Façamos pois uma visita à história e origem destes espaços.

As Obras da Fonte da Pipa


É no reinado de D. João V, que se fazem as principais obras na Fonte da Pipa, que incluíram os acessos à vila de Almada e a actual Fonte Monumental de 4 Bicas, encimada pelo Brasão Real. 
Existe aqui uma inscrição que diz:
«A obra desta fonte e seu caminho, se fez por ordem de sua magestade à custa do povo desta vila e seu termo, por tributo que se lhes impôs nos açougues da dita vila e seu termo de três reis em cada arratel de carne para pagamento da dita obra na era de 1736».

A data parece reportar à conclusão dos trabalhos, pois esta obra fora arrematada com outras pelo mestre pedreiro LUÍS DA SILVA em 1726, conforme se lê numa escritura a que tivemos acesso, e que aqui resumimos:
1726 (10 de Agosto)
Lisboa Ocidental (junto à Igreja de N.ª Sr.ª da Palma, nos escritórios do Tabelião)
Escritura de Instrumento de Sociedade e Obrigação estando, de uma parte, Luís da Silva, mestre pedreiro, morador na Rua Nova da Palmeira, freguesia de S. José, e da outra parte, José Antunes, mestre pedreiro, morador na Rua Direita de S. José, e Manuel Gonçalves, também mestre pedreiro, morador ao Tronco, freguesia de S. Julião, e outrossim Francisco de Macedo, mestre carpinteiro, morador na Rua da Fé, a S. José, em que o dito Luís da Silva disse que ele tinha arrematado no tribunal da Mesa da Consciência e Ordens a obra de umas casas no Castelo de Santa Maria de Almada e cujas são para o Prior da dita Igreja e mais arrematou outra obra pela Câmara da vila de Almada e por ordem do Corregedor da Comarca da dita vila para se fazer na Fonte da Pipa da banda de Além, e que por este contrato se constituíam sócios em partes iguais nas ditas obras, fazendo trabalho nos seus ofícios, e outras condições nele descriminadas.
Esta Escritura de Sociedade encontra-se lançada nas Notas do Tabelião José Soares Ribeiro em 28 de Agosto de 1757, a pedido de António Antunes, provedor das Causas, e morador aos Cardais de S. José, que apresentou a escritura original para assim poder tirar os devidos treslados, visto que o Livro com a nota original se tinha consumido no incêndio do Grande Terramoto de 1 de Novembro de 1755, por estar no Escritório do Tabelião no Largo da Igreja de São Nicolau.
(DGARQ-ADL, Notariais de Lisboa, Of.º 9-B (antigo 12-B), Cx. 3, L. 2, ff. 77v-78v)

Foi este Luís da Silva, mestre pedreiro, que conduziu a obra da Fonte da Pipa, como seu empreiteiro, entre 1726 e 1736, e é aliás assim que é nomeado como «empreiteiro da obra da Fonte da Pipa e do seu caminho» numa Carta de D. João V de 13 de Julho de 1729, ao Juiz de fora de Almada, vereadores e Procurador da Câmara em que autorizava o levantamento de 300 000 réis dos direitos que lhe pagavam pelos bens de raiz e pelas sisas, para as obras da Ermida de S. Sebastião, também na vila de Almada, e em que aconselha que se arrematasse a obra ao dito Luís Silva, o qual depois em 15 de Julho de 1729, foi também testemunha da vistoria do estado da dita Ermida, conforme se lê no respectivo Auto:
«E Considerando que por se hauer de conhecer o Reparo de que a dita Irmida necessitava era conveniente e precizo ser vista pellos Mestres / fl. 2v. / Pedreyros e Carpenteyros que houvecem na dita villa pera declararem a necessidade e qualidade da obra pera asim se poder Rematar com clareza e se proceder nesta execussão da Provisão com Verdade, pondo-ce novamente em pregão e Rematando-se a obra se achace ser necessaria pera Conservassão da dita Irmida.
Com effeyto mandarão chamar os ditos Mestres que sendo prezentes Manoel Ferreira, João Baptista, Miguel Pinto, Jozeph Rodriguez Milhano, Mestres pedreyros desta dita Villa, e outrosim Luis da Silua Mestre pedreyro da obra da Fonte da Pipa, e Manoel Antunes, Medidor do Senado da Camara da Cidade de Lixboa E outrosim sendo testemunhas prezentes Francisco Lopes, Antonio Rodriguez, Antonio Francisco e outro Antonio Francisco do Pragal, Mestres Carpinteyros»
(Arquivo Histórico Municipal de Almada, Livro da Obra da Ermida de São Sebastião, 1729, ff. 2-3v – cit. Maria José Lopes, et al, in Entre Memória e Criação. A Reabilitação da Ermida de São Sebastião em Almada, 2010, pp. 32, 68)

A construção da Fonte monumental e dos acessos à mesma, vinha melhorar significativamente o seu aproveitamento por parte dos habitantes da vila, e potenciar o desenvolvimento das zonas ribeirinhas envolventes, sendo a partir desta altura que se estabelecem quer na Arialva, quer no Olho de Boi, novas edificações e armazéns aproveitando certamente alguns dos antigos fortes e áreas circundantes.


Continua em:
Da Fonte da Pipa à Arialva, passando pelo Olho de Boi (2/3)


RUI M. MENDES
Caparica, 25 de Junho de 2012

quinta-feira, 29 de março de 2012

Lista das Igrejas e Capelas desaparecidas da Cidade de Almada (25)



ALMADA (5)
Igreja de Nossa Senhora da Assunção ou de Santa Maria do Castelo

Capela de Santa Ana (Miradouro)

Capela de Santo António (Casas Nobres na Rua Direita)

Capelas dos Passos da Via Sacra (Rua Direita / Rua do Campo / etc.)

Capela de São João Baptista (Quinta da Arealva)

PRAGAL (4)
Capela de São Pedro (Quinta de São Pedro)

Capela da Sagrada Família (Quinta do Olho de Vidro)

Capela de São Miguel (Quinta de São Miguel)

Capela de Nossa Senhora da Boa Viagem ou da Arrábida (Quinta da Arrábida de Baixo) [revisto em 22-4-2014]

FEIJÓ (3)
Capela de Santa Ana (Fazenda de Sant’Ana / Vale de Mourelos)

Capela de Nossa Senhora da Lembrança (Quinta da Lembrança / Vale do Torrão)

Capela de Nossa Senhora da Assunção (Quinta de Vale Flores)

LARANJEIRO (1)
Capela de Nossa Senhora da Conceição (Palácio do Alfeite)

COVA DA PIEDADE (8)
Capela de Nossa Senhora da Conceição (Quinta do Outeiro do Caramujo / Alfeite)

Capela de Nossa Senhora do Rosário, inicialmente de S. Domingos (Quinta dos Frades / Museu da Cidade)

Capela de Nossa Senhora da Conceição (Quinta do Bornete / Galo)

Capela de Santa Quitéria (Quinta do Catela-Lagoa / Ministro / Parque da Paz)

Capela de São Simão (actual Igreja de Nossa Senhora da Piedade)

Capela de Santo Inácio de Antioquia (Quinta da Mutela / Praia do Alfeite)

Capela de Nossa Senhora da Madre de Deus (Rua da Mutela)

Capela da Sagrada Família ou Nossa Senhora da Piedade (Quinta de Crastos / Sede dos Escuteiros)

CACILHAS (4)
Capela de Nossa Senhora da Palma ou de Belém ou do Ó (Hospital dos Palmeiros / Casas nobres de trás da Igreja de Cacilhas)

Capela de São Lázaro (actual Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso)

Capela de Nossa Senhora do Monte Carmo (Quinta da Rua da Oliveira)

Capela de Nossa Senhora da Conceição (Quinta da Margueira / da Alegria ?)